Registrar a metástase de um câncer em microscópio não é uma tarefa fácil. A tentativa mais bem sucedida foi feita por pesquisadores que conseguiram visualizar como as células cancerígenas se espalhavam pelo cérebro de um roedor. Contudo, o cérebro é considerado um órgão único e pode não representar o que ocorre em outras partes do corpo. Agora, pesquisadores da Holanda conseguiram visualizar como um tumor se espalhava pelo fígado de uma cobaia por uma "janela" colocada no abdômen do animal. O resultado foram vídeos time-lapse que mostram como a metástase se forma ao longo do tempo. O estudo foi divulgado nesta quarta-feira na revista especializadaScience Translational Medicine, da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês, que também publica a Science).
Segundo os pesquisadores, a metástase (o "espalhamento" do câncer pelos órgãos) é a principal causa de morte de pessoas que sofrem câncer e esse estudo pode ajudar entender melhor como esse processo ocorre e qual pode ser o alvo dos médicos que tratam esses pacientes.
"Nós desenvolvemos uma janela de imagem para órgãos abdominais que nos permite estudar a migração de células de câncer durante as diferentes fases da colonização hepática (do tumor) em detalhes. Nós identificamos a migração como facilitadora de um passo 'pré-micrometástase' durante o início da colonização da metástase do fígado que pode ser potencialmente mirada pela terapia", afirma o artigo, assinado por pesquisadores das universidades de Utrecht e Leiden, ambas na Holanda, que afirmam também que o equipamento não foi desenvolvido para ser usado em humanos.
A janela tem 12 mm de diâmetro e permitiu que os cientistas estudassem por um longo período o animal e como a metástase evoluía. Com auxílio de microscopia e avançadas técnicas, eles monitoraram por dias células individualmente. Além disso, eles conseguiram estudar não apenas o fígado, mas pâncreas, rins, intestino e baço por até 28 dias, mas o foco ficou principalmente no primeiro.
Após registrar as imagens, os pesquisadores criaram vídeos em time-lapse para seguir o comportamento das células cancerígenas. Eles descobriram que nas primeiras 24 horas essas células tinham uma mobilidade muito grande. Após isso, a maior parte delas é cercada pelo tecido do fígado. É a este primeiro momento que os cientistas se referem como "pré-micrometástase".
Depois de 48 horas, formam-se micrometástases. Neste momento, os cientistas testaram o uso de um supressor do câncer, o que teve bom resultado e diminuiu, por exemplo, o deslocamento das células cancerígenas e reduziu a taxa de crescimento das pré-micrometástase e do número de micrometástases.
Segundo os pesquisadores, o estudo pode levar a um tratamento que mira nas células cancerígenas logo após elas entrarem no órgão - a fase de pré-micrometástase. Enquanto um tumor primário grande pode descarregar milhões de células na corrente sanguínea, poucas sobrevivem para atacar outro órgão, e o momento desse "ataque" pode ser essencial para evitar que a doença se espalhe.
Em um artigo separado da revista, David Brucker e Jochen Herms, da Universidade Ludwig Maximilian, na Alemanha, e que não tiveram ligação com o assunto, comentam que o tratamento de tumores primários - aqueles primeiros a aparecer - evoluiu muito nos últimos anos. Contudo, "terapias dirigidas à metástase continuam sendo um desafio clínico".
Os pesquisadores da Alemanha afirmam que os resultados são encorajadores, mas deixam muitas respostas em aberto. A pesquisa, afirmam eles, dá dados diretos de apenas um tipo de processo - a do câncer colorretal com metástase no fígado - e não explica se o mesmo processo pode ocorrer em outras partes do corpo, como cérebro, pulmão e medula. Mas a técnica da janela pode ajudar a sanar essas questões.
A janela de imagem abdominal (AIW, na sigla em inglês), afirmam eles, é a primeira solução eficaz para a microscopia de longo-termo no abdômen das cobaias e pode se tornar uma importante ferramenta de pesquisa.
Jornal do Brasil
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